sexta-feira, 20 de novembro de 2009

UM TEXTO...DIÁRIO, SEMANAL, MENSAL...OU DE VEZ EM QUANDO

Jorge Tavares


RECORDACÕES DE FARO...


Como podemos falar da cidade, sem lembrar aquele que foi o centro de reunião dos farenses de todas as idades, durante décadas?
O Cine Teatro Farense e o São Luís Parque, fazem parte do imaginário da nossa juventude. Diria mesmo que, de todos os costeletas, que desde a década de quarenta frequentaram a nossa Escola.

O Cine Teatro Farense, grandiosa sala de espectáculos, permitia aos jovens frequentá-la, comprando o seu bilhete para a geral - bancada de madeira, tipo "ponta-pé nas costas" - e deliciar-se com os filmes do Tarzan, Fu-Manchu (em dois dias seguidos), Edi Constantine, etc.. Na composição da sala, a plateia estava equipada com cadeiras de madeira e separada da geral por um gradeamento, tipo corrimão, forrado a madeira no topo, e com mais ou menos um metro de altura. Antes de iniciar a projecção dos filmes, as luzes apagavam-se e, aproveitando o escuro total, a rapaziada mais afoita alçava a perna e instalava-se nas cadeiras da plateia. O nosso duplo entusiasmo, ver o filme e ocupar a plateia, terminava com a orelha presa na mão do Sr. José Maria, fiscal do CTF ( e também funcionário do BNU) e com o consequente regresso à geral e um sério aviso, de que prevaricar, equivalia à expulsão. Este homem, era pai do "nosso" Alex.

Nos primeiros anos da década de cinquenta, esta sala foi demolida e foi iniciada a construção duma nova sala de espectáculos, que viria a denominar-se "Cinema Santo António". Esta orfandade temporal foi convite para a instalação dum cinema pré fabricado no Largo das Mouras Velhas. Os seus proprietários, figuras conhecidas da cidade - José Martins e Vila Real -, proporcionaram durante bastante tempo o cinema de que todos gostávamos. José Martins, ex-corredor de bicicletas, e Vila Real o homem fornecedor dos fritos nas feiras e mercados, também exploraram a esfera da morte ( uma versão do poço da morte, em bicicleta). A rapaziada, divertindo-se com os filmes, tudo lhes servia de galhofa.

Numa determinada noite de invernia em que soprava um vento forte que entrava pela frestas das chapas do pré-fabricado, e numa cena de intenso dramatismo, ouviu-se um grito vindo da geral: Ó VILA REAL, FECHA A PORTA DO QUINTAL, QUE ESTÁ A FAZER CORRENTE DE AR - Gargalhada generalizada!!!
novíssimo Cinema Santo António, fazendo jus à sua situação geográfica, passou a ser o ponto de encontro social da cidade, especialmente aos fins de semana: Assistindo aos filmes, passeando no lounge, tomando café na cafetaria, à porta da entrada, ou nas suas imediações, nomeadamente na Pastelaria Gardy, todos nos encontrávamos.
A rapaziada estrategicamente instalada à entrada do cinema, aperaltadíssimos, cheirando a lavado e a fixador "BrilCream", tentava na troca de olhares com esta ou aquela rapariga, o erotismo a que tinha direito. Quando a linguagem muda do olhar, era mais intensa e repetida, glorificávamos o momento, com a expressão: " Ela está a dar-me sorte"!
Neste tema, não posso deixar de falar no gerente desta sala: O Marques da Silva, poeta lírico, vulgo "Marmelada", que para além da poesia também escrevia para o jornal "O Algarve" sobre acontecimentos citadinos. Impecavelmente vestido, em regra de fato azul, cravo vermelho na botoeira do casaco, bengala pendurada no braço, era o alvo predilecto das reclamações sonoras na sala de espectáculo, quando a fita se partia, havia atrasos no começo do filme, etc.
Dele recordo este verso, que passou gerações de farenses e que o acompanhará na sua imortalidade:

Marques da Silva... já eu conhecia,
Marmelada da Silva, confesso...desconhecia! Muitos estudantes na altura ( costeletas ou bifes e nos quais eu também me incluí ) fizeram parte da lista interminável de leitores de filmes em " voz alta". Passo a citar: O cidadão farense ainda vivo e de alcunha "TECA", porque era analfabeto, convidava indiscriminadamente este ou aquele, para a troco duma ida gratuita ao cinema, lhe fazer a leitura das legendas. No decorrer da sessão, frequentemente o leitor, entusiasmado com o filme, esquecia a leitura em voz alta, e o Teca, dando uma boa cotovelada, reclamava: " LÊ PÁ, LÊ PÁ" .


FIM DA PRIMEIRA PARTE

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